
Entre cipós e corações: dramaturgia ecológica em “Jorginho e o Dragão Camaleão”
No quintal das aventuras infantis, a Cia. Articularte criou com humor e poesia o espetáculo “Jorginho e o Dragão Camaleão”. Além da sua aventura interna, a peça explora também temas como meio ambiente, sustentabilidade e inclusão, transformando brincadeiras em mensagens sensíveis sobre a relação das crianças com o planeta.
Dramaturgia viva e sustentável
A estrutura do espetáculo é dinâmica e envolvente. Imagens como a horta viva do personagem Chiquinho mostram, com simplicidade, o valor do cultivo sustentável. Quando o dragão devora o personagem do pimentão, a peça faz as crianças perceberem por exemplo que muito do que consumimos pode afetar o ambiente. Não há sermões: apenas uma reflexão sobre nosso impacto na natureza.
Metáforas que ensinam
Os animais da peça, como o pangaré cansado, o peixe falante e a cobra amigável, simbolizam um ecossistema rico, um pouco desequilibrado, mas interligado. Nenhum animal é exclusivamente vilão ou herói, mas sim parte de um todo maior. O dragão camaleão é especialmente eficaz: um monstro que muda de formas porque não tem coração, refletindo parte talvez de uma crise ecológica atual.
Inclusão com sensibilidade
A versão inclusiva traz Luzia, uma boneca cega que salva o protagonista Jorginho graças à sua sensibilidade especial. Luzia indica que limitações são também formas diferentes e valiosas de perceber o mundo. Já Ditinho, boneco negro criativo, constrói uma catapulta crucial para Jorginho enfrentar o dragão, apontando a diversidade de soluções e talentos.
Recursos visuais e musicais
O cenário criativo, com tela pintada especialmente pelo artista plástico Ronaldo Mendes, complementa o discurso ecológico de simplicidade. O uso de músicas compostas a partir de sonoridades do corpo humano, cria uma atmosfera mágica, reforçando a mensagem singela da peça, elaboradas por Charles Raszl (do grupo Barbatuques).
Ecologia da imaginação
“Jorginho e o Dragão Camaleão” é um espetáculo rico, divertido e também educativo. A dramaturgia de Dario Uzam, diretor da Cia. Articularte promove reflexões diversas sobre sustentabilidade, inclusão e meio ambiente, ensinando aventuras através do encantamento. Embora alguns aspectos possam ser refinados para clareza e ritmo, a peça é sem dúvida uma experiência poderosa e inspiradora.
Ao final, a peça revela seu grande trunfo: mostrar que proteger nosso planeta é tarefa para todos, não só para heróis ou futuros santos como São Jorge, São Francisco, São Longuinho, Santa Luzia e São Benedito. No mais, basta lembrar ao dragão, e a cada um de nós, que precisamos cuidar do coração – nosso e também do mundo.

Jorginho e o Dragão Camaleão: uma autocrítica do diretor Dario Uzam
Criar e dirigir “Jorginho e o Dragão Camaleão” com a Cia. Articularte foi um desafio imenso, mas também profundamente gratificante. Como autor e diretor, tenho orgulho da maneira como conseguimos abordar temas urgentes como meio ambiente, sustentabilidade e inclusão social através do teatro de bonecos.
Uma das maiores dificuldades foi a complexidade técnica. Com duas dúzias de bonecos e diversos adereços, manipulados por apenas cinco atores, a movimentação nos bastidores exigiu um verdadeiro balé cênico. As entradas e saídas rápidas, realizadas dentro de um pequeno balcão de encenação (2,20 metros de largura por 1,50 metros de altura), foram um desafio constante para manter o ritmo e a magia da peça.
Reconheço também alguns pontos em que poderíamos melhorar. Alguns diálogos poderiam ter sido mais curtos para prender melhor a atenção das crianças, especialmente nos momentos mais expositivos. Talvez o simbolismo do coração escondido do dragão pudesse ser mais direto, facilitando a compreensão imediata do público mais jovem.
Inclusão
Os personagens inclusivos, como Luzia e Ditinho, mereciam mais destaque ao longo do espetáculo. Embora já sejam figuras essenciais, suas histórias poderiam ter sido exploradas ainda mais, enriquecendo ainda mais a mensagem central da peça.
Além disso, percebo que poderíamos ter explorado mais a interação direta com o público infantil. Isso certamente ajudaria a fortalecer o engajamento das crianças, ampliando a experiência emocional e educativa.
Por outro lado, há ganhos criativos que merecem ser celebrados. Jorginho, nosso protagonista corajoso e imaginativo, estabelece rápida identificação com o público. Sua jornada é feita de descobertas, medos e superações, com a leveza que só a infância conhece. Longuinho, o menino dos três pulinhos, surge como um alívio cômico e um aliado inesperado. Sua esperteza e humor encantam plateias de todas as idades.
Diversão
E o Lobo Cinzento — um dos personagens mais surpreendentes — diverte intensamente as crianças com sua ambiguidade: é ameaçador e engraçado ao mesmo tempo. Seu arco de transformação, de predador a companheiro de viagem, é uma das surpresas mais eficazes da dramaturgia. Os pequenos se divertem com sua fala arrastada e seus dilemas famintos.
Contudo, a peça alcançou seu objetivo maior: encantar e educar sobre nossa responsabilidade ambiental e social. Acredito firmemente que “Jorginho e o Dragão Camaleão” cumpre seu papel ao lembrar que proteger o planeta é uma missão coletiva. Apesar dos desafios, o resultado final foi uma obra que nos orgulha e inspira continuamente a seguir criando teatro com alma e propósito.
Dario Uzam – Cia. Articularte